\ respiro /

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Cultivar-se _ Bat For Lashes

Bat For Lashes, nascida Natasha Khan em 1979, é cantora, compositora e artista inglesa. Ela fez recentemente um webchat no Guardian, respondendo questões do público. Traduzi abaixo trechos que gostei muito e se abrem mesmo a quem não conhece ela.
Para ler o original completo em inglês, aqui.


Quais foram as maiores lições que você aprendeu com a arte? Tem algum conselho para o período depois da graduação?

As maiores lições… provavelmente, como disse antes,
seguir sua própria musa e intuição e processo.
O que amei na faculdade de arte foi poder absorver tantos gêneros de música, tanta arte e filme e fotografia - espero que os cursos de arte hoje sejam assim tão diversos. Sinto que ser criativo não se limita a apenas um canal - se você é criativo, isso se espalha por todo aspecto da sua vida, sua visão de mundo. Cultivar essas múltiplas visões sobre as coisas ajuda a criar uma mente ainda mais criativa.
Trabalhe muito, use todos os recursos que tiver em mãos; quando você sai [da faculdade], não é mais a mesma coisa. A melhor maneira de se preparar para o período depois da graduação… com certeza será tumultuoso, porque a formação te protegeu por muito anos. O modo como lidei com isso foi fazer arte em meio período e me tornar professora do jardim quatro dias na semana, o que me dava dinheiro suficiente pra pagar o aluguel, me manter segura e capaz de me sustentar. Mas esses outros três dias eram para fazer shows e as músicas do álbum. Ter esse equilíbrio e administrar sua vida é um bom jeito de atravessar esse período de adaptação. Escrevi meu trabalho final sobre a preocupação dos artistas com a infância, e observar as crianças com quem eu trabalhava era um bom lembrete para guardar esse sentido infantil de deslubramento com o mundo. É bonito estar perto de pequenos seres humanos que não esqueceram sua natureza divina e sua liberdade de expressão - e é para onde todos os artistas querem voltar.
...



)))


Me liguei à David Lynch Foundation porque aprendi a prática de meditação transcendental e achei muito útil como ferramenta na minha vida diária. Como pessoa criativa e ser humano, já sofri de ansiedade, vulnerabilidade e depressão, do mesmo jeito que muitas pessoas também sofrem. Também já lidei com questões de saúde mental entre as pessoas próximas a mim. Percebo que, no geral, saúde mental parece ser um grande problema para muita gente e não é tão discutida assim. Sinto que qualquer forma de meditação pode ajudar tanta gente. E a Lynch Foundation trabalha com pessoas com Alzheimer, soldados com stress pós-traumático, crianças que vivem na periferia urbana, e tenta acolhê-las de graça, o que é incrível. Nestes tempos tumultuosos e instáveis, tudo que a gente possa fazer para ajudar o outro: a dar um tempo - ficar calmo e se conectar consigo mesmo - amar e nutrir e dar base a si mesmo - esses poderes me parecem mais importantes que nunca.



quarta-feira, 22 de junho de 2016


Memorizar poesia é arte do coração - Christina Patterson

"Aprenda aquele grande verso de ontem, e ele estará contigo quando triste, alegre - ou quando, apenas, entrando num banho quente"

A jornalista inglesa Christina Patterson escreveu no Guardian sobre a "arte perdida" que é saber a poesia de cor - de coração. Habitá-la. Re/vivê-la.
Abaixo deixo trechos traduzidos.
Aqui completo, em inglês.


"Escrever poesia é difícil. Mesmo os maiores poetas se veem no medo de nunca mais escreverem outro bom poema. E ler poesia também não é fácil. Um bom poema passa por diferentes níveis. Quanto mais se lê - mais se vive com ele - mais fundo se vai.

Poesia é o avesso do instante. Num mar de informação, poesia é âncora. Pode te ajudar a parar o mundo e dar com palavras e imagens e ritmos que pulsam
em teu sangue e coração e veias:
palavras e imagens e ritmos que se tornam parte tua."

Esfinge


decifra-me
devora-me (

Bart Jan Bakker

terça-feira, 24 de maio de 2016

Bob Dylan 75 anos


***

As grandes pinturas não deveriam estar em museus. Museus são cemitérios. As pinturas deveriam estar nas paredes dos restaurantes, em lojas de miudezas, em postos de gasolina, em banheiros masculinos [...] A música é a única coisa que está em sintonia com o que está acontecendo. Não está na forma de livros, não está no palco [...] Não é a bomba que tem que sumir, cara, são os museus.

***


***


Eu aceito o caos. Não sei se ele me aceita.

***


***

Não faço parte de Movimento nenhum. Se fizesse, não seria capaz de fazer nada a não ser estar "no Movimento"

***

não consigo ver meu reflexo nas águas,
não consigo expressar os sons que não revelam dor,
não consigo ouvir o eco dos meus passos,
nem lembrar o som do meu próprio nome

***


__________


Bob Dylan faz hoje, 24 d maio 2016, 75 anos. 
Nascido Robert Allen Zimmerman, apelidou-se Bob e emprestou o Dylan de Dylan Thomas. 
Nascido e crescido em cidadezinhas à base de extração mineral, em Minnesota - Estados Unidos, antes de sumir fez uma promessa pessoal à sua escola: quando eu voltar aqui, vocês vão me aplaudir. 
E foi. 
E ecoa: how does it feel?


terça-feira, 3 de maio de 2016

angélica freitas - um útero é do tamanho de um punho



(a mulher é uma construção
com buracos demais

vaza

***

etc etc etc

       "agora me conta de ti"

ti   ti   ti
ficou ecoando a palavra
que a mulher barbada
mais detestava
(depois de tu)
"e se essa louca for a minha dalila?"
"o que que eu faço?
pra onde é que eu corro?"

***

V.
adoro quando minha amiga de infância
me levanta o rosto
e me passa rímel

e me diz que agora sou poeta
e tenho trinta anos e que não é
só acordar lavar o rosto e deu

(me deu um rímel da lancôme)

só tenho que esperar que seque o rímel
para colocar de volta os óculos

VI.
para colocar de volta os óculos
é preciso querer ver de novo

seja querer se ver de novo
seja para ver como ficou o rímel

pode-se notar o efeito
por trás das lentes?

e se eu choro
borra-se o produto?

***

mulher de respeito

diz-me com quem te deitas
angélica freitas

***

fragmentos de "um útero é do tamanho de um punho" (2013), livro de poemas de Angélica Freitas, gaúcha.  


Roy Lichtenstein
antes eu era indecisa... 
agora não tenho certeza 
///

sexta-feira, 29 de abril de 2016

eu durmo comigo

eu durmo comigo/ deitada de bruços eu durmo
comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu
durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão
longa em que não durma comigo/ como um trovador
agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo
comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo
enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo
comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que
estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo
vai ter que dormir do lado.

[angélica freitas
"um útero é do tamanho de punho" 2013
]

terça-feira, 26 de abril de 2016

de todos os excessos alcóolicos, nenhum é tão perigoso quanto o trago silencioso

- bertolt brecht
[teoria do rádio, 1927-32]

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Patti Smith: bela, recatada e do lar

Patti Smith por Robert Mapplethorpe, companheiro de vida

A internet se encheu de respostas ao "bela, recatada e do lar" da Veja - mulheres encarnando a felicidade e a liberdade de ser quem/como/onde/quando/se quiser.

E aqui invoco Patti Smith - poeta, música, xamã, descendente de Rimbaud. Começou a carreira na cena punk de Nova York com um dos álbuns mais incríveis deste mundo: Horses, de 1975. Na capa, Patti aparece com ditas "roupas de homem" e toda a força de seu corpo. Mais tarde engravidou, recatou,

renasceu.



a mídia não é deus



terça-feira, 19 de abril de 2016

Maior ou menor que um toque

As verdades esperam em todas as coisas,
Não apressam sua emissão nem a ela resistem,
Não precisam do fórceps obstétrico do cirurgião, 
O insignificante é tão grande quanto o resto, 
O que é maior ou menor que um toque?

Walt Whitman,

________




ONE MUST FEEL DEFINITELY, FULLY, BEFORE THE EXPOSURE


( há que sentir definitivo, tudo, antes da foto. /


frase e fotos d Edward Weston (1886-1958), nascido em Chicago, Estados Unidos.

sábado, 16 de abril de 2016

Sullen girl

Edward Hopper


days like these 
I don't know
what to do with
myself
all day
all night
[fiona apple],

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Levinho, levinho

Aldous Huxley

It's dark because you are trying too hard. Lightly child, lightly. Yes, feel lightly even though you're feeling deeply. Just lightly let things happen and lightly cope with them... (...) Lightly, lightly - it's the best advice ever given me. 

When it comes to dying even. 

Nothing ponderous, or portentous, or emphatic. 

No rhetoric, no tremolos,
no self conscious persona putting on its celebrated imitation of Christ or Little Nell. And of course, no theology, no metaphysics. 
Just the fact of dying and the fact of the clear light. 
Throw away your baggage and go forward. There are quicksands all about you...trying to suck you down into fear and self-pity and despair. That's why you must walk so lightly, my darling

on tiptoes and no luggage

not even a sponge bag

completely unencumbered.


Está escuro porque você está pegando pesado. Pega leve, jovem, pega leve. Sim, sinta leve, mesmo que sinta muito. Leve, deixe as coisas acontecerem e entenda-se com elas, leve... Levinho, levinho - é o melhor conselho que já me deram.
Mesmo na hora da morte.
Nada complexo, pomposo ou enfático.
Nada de retórica, nada de tremores,
nada do Eu todo centrado encarnando a grande imitação de Cristo ou Little Nell. E, claro, nada de teologia, nada de metafísica.
Apenas a morte e a inteira luz. 
Jogue fora sua bagagem e siga em frente. Há areias movediças por toda parte... tentando te afogar em medo e auto-piedade e desespero. É por isso que você tem que andar levinho, meu amor
na ponta dos pés e sem malas
sem uma sacolinha sequer
sem embaraço nenhum.

(tradução livre, sem embaraços)

Aldous Huxley


segunda-feira, 4 de abril de 2016

Água esparramada em cristal,
buraco de concha,
segredarei em teus ouvidos
os meus tormentos.
Apareceu qualquer cousa
em minha vida toda cinza,
embaçada, como água
esparramada em cristal.
Ritmo colorido
dos meus dias de espera,
duas, três, quatro horas,
e os teus ouvidos
eram buracos de concha,
retorcidos,
no desespero de não querer ouvir.
Me fizeram de pedra
quando eu queria
ser feita de amor.


poema: Hilda Hilst

filme: Il deserto rosso, Michelangelo Antonioni

domingo, 3 de abril de 2016

Born to be blue

Chet em Paris, 1976 / foto d Guy Le Querrec

Lá embaixo, livre rememória de falas de Chet Baker - Apenas um sopro, em cartaz já acabando no CCBB São Paulo. Chet Baker (EUA, 1929-88), o genial, doído, trompete, voz: jazz q coração nenhum aguenta. O processo de renascimento pessoal y artístico depois q perde os dentes em briga de rua. O vício em drogas, a difícil convivência consigo e com a banda -- q está e toca lindamente.

Chet é Paulo Miklos, o Titã, q em momento algum toca o trompete -- se é a impossibilidade de se querer tocar como Chet, também é a dor de Chet com Chet ele mesmo: a insegurança de poder sustentar ou não o próprio mito; mito do qual se fala a peça toda e, ainda, nunca em Cena se ouve;

Paulo Miklos então pega o q tem: o coração de humano y músico e a voz rouca e doa a My funny valentine, 

luz e sombra do Teatro

miséria humana q se sustenta em arte
e em arte também se acaba:
o humano q ali / não / está:

"acham q sabem
porque me ouvem: tenho duas mãos
e um trompete...

duas mãos são muito pouco

um trompete é muito pouco

um trompete é nada

mas isso 
vocês não sabem"